Sequência de filmes que consagrou o ator trouxe polêmica e reflexão quanto ao ato de fazer justiça com as próprias mãos
Paul Kersey está de férias no Havaí com sua esposa Joanna. Quando retornam a Nova York, onde Paul mantém uma pacata carreira de arquiteto, uma série de acontecimentos leva ao assassinato de Joanna e ao estupro de sua filha Carol Anne. Paul — desesperado e arrasado — é informado pela polícia que dificilmente os marginais responsáveis pela barbárie seriam encontrados. Inconformado, ele é enviado em férias para Tucson, Arizona, e lá conhece um sujeito chamado Ames que o presenteia com um revólver Colt 45, que ele descobre em sua mala no retorno a NY.
O personagem interpretado por Charles Bronson resolve andar com a arma e imediatamente sofre uma tentativa de assalto a mão armada. Mata o bandido com um tiro certeiro. O bandido era relativamente afamado, um ex-presidiário. Paul fica chocado por ter matado um homem, mas a história tornaria isso uma sequência na vida do personagem. Ele segue matando bandidos por conta própria.
Este é o enredo de Desejo de Matar (Death Wish, 1974), filme dirigido por Michael Winner, estrelado por Bronson, com roteiro de Wendell Mayer baseado em livro homônimo de Brian Garfield.
A produção é uma espécie de “violence exploitation”, e seque os moldes do gênero de exploração de um tema à exaustão. Tem trilha sonora de Herbie Hancock e a fotografia sombria de Arthur J. Ornitz. Custou 3,7 milhões de dólares. Arrecadou 20 milhões. Tornou-se um clássico dos anos 1970.
O problema é que aquela Nova York retratada no filme não era de fato muito diferente da realidade. Violência, roubo, tráfico e a máfia davam as cartas na Big Apple. Junkies, marginais, vandalismo, depredação do patrimônio e uma infinidade de gangues eram comuns à paisagem da metrópole de 10 milhões de habitantes às margens do rio Hudson.
Não foi o único filme a retratar as mazelas e a violência da cidade à época. Mas a ideia de um justiceiro à solta nas ruas, caracterizado como um cidadão comum passava muito longe da mitologia das histórias em quadrinhos imortalizada em personagens como Batman. Paul Kersey era um homem comum, “como você e eu”. Pacato, viu sua vida abalada e praticamente perdida. Não era incomum encontrarmos sujeitos com a mesma característica em qualquer cidade grande do mundo. E, a exemplo dos super-heróis dos quadrinhos, isso pôs as autoridades em alerta e à flor da pele.
A sanha republicana pela liberação de armas a todos os cidadãos não tardou a aflorar, bem como a grita democrata pelos direitos humanos; e, é claro, protestos dos setores da intelectualidade, artistas e da contracultura que já agonizava.
O sucesso de Desejo de Matar foi tanto que algum tempo depois o espertíssimo produtor Dino de Laurentis tratou de arrumar uma sequência. Desejo de Matar II (Death Wish II, 1982) continua a saga matadora de Paul Kersey, com trilha sonora de ninguém menos que Jimmy Page, do Led Zeppelin. A direção também coube e Michael Winner. E filme foi sucesso novamente. E já vivíamos a era Reagan, com o republicanismo estabelecido e um espírito yuppie tomando conta do americano médio. Charles Bronson já era um mito dos filmes de ação. E com sua Colt 45 passou a ser um dos ícones do cinema.
Em 1985, Michael Winner dirigiu ainda uma terceira sequência (Death Wish III). Houve ainda uma quarta e quinta produções, dirigidas por J. Lee Thompson e Allan A. Goldstein, respectivamente. Todas estreladas por Charles Bronson.
O ideário do homem que faz justiça com as próprias mãos nunca saiu do imaginário americano. Vivemos Trump e ainda os vemos em países menos votados, mais de 30 anos depois do último Desejo de Matar. O despertar da besta inerente a cada indivíduo nunca esteve tão perto como nesta segunda década do novo século. Nós brasileiros, sabemos muito bem.
Mas era só cinema. Os filmes — pelo menos os dois primeiros — eram bons. E Bronson é um símbolo. That’s entertainment.
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Ouça. Leia. Assista:
Desejo de Matar 1974 – filme completo
Death Wish II – trilha sonora por Jimmy Page
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Imagens: reprodução