Frase proferida no clássico que consagrou o diretor Mike Nichols e apresentou ao mundo Dustin Hoffman trazia em si crítica e profecia
Benjamin Braddock é um jovem que acaba de se formar na faculdade. Quando Ben retorna de sua faculdade em algum lugar na costa leste dos EUA para a residência dos pais, em algum lugar — supostamente a Califórnia — na costa oeste americana, os velhos estão ansiosos para vê-lo alçado ao sucesso absoluto. Daí, na festa em que os orgulhosos progenitores (re)apresentam seu rebento — agora graduado — à sociedade burguesa de seu subúrbio, o jovem é inundado de sugestões quanto a sua futura carreira.
À beira de uma piscina, que simboliza em si o conforto burguês almejado, um amigo da família de meia-idade diz a Ben que o segredo do sucesso está em “one word: plastics!” (Uma palavra: plásticos!).
O filme é A Primeira Noite de Um Homem (The Graduate, 1967). A frase é uma espécie de piada inserida despretensiosamente na miríade familiar que beira o grotesco aos olhos do jovem, interpretado por Dustin Hoffman, com cerca de 21 anos então, a idade do personagem.
Mas estamos em 1967. O auge dos movimentos de contracultura que estremeceram os EUA e o mundo. Os jovens dessa época estavam ansiosos para se livrar das amarras e imposições materiais dos anos do pós-guerra, de seus pais. Jovens pretendiam o autoconhecimento, e era normal que isso implicasse em rejeição da futilidade sufocante da geração que os antecedeu.
A palavra “plástico” ganha aqui então algo além da referência à fabricação de quase tudo que veríamos nas décadas seguintes — dos invólucros de LP’s às garrafas de refrigerante, e ainda brinquedos e utensílios domésticos —, mas também ao “fake”, a tudo que não é “ideológico”. O gentil vizinho do jovem Ben Braddock sugere (na verdade praticamente estabelece, impõe) a ele uma espécie de falsidade sintética.
Tudo o mais é história. A Primeira Noite de um Homem é um filme ousado e escandalizou a mesma sociedade à qual se contrapunha o personagem vivido por Dustin Hoffman. É o segundo filme de Mike Nichols, que já havia impressionado com Quem Tem Medo de Virgínia Wolf (1966), e conferiu ao diretor o Oscar de Melhor Direção.
Revolucionou na trilha sonora com um soundtrack matador a partir da canção Mrs. Robinson, de Simon & Garfunkel, além de The Sound of Silence e Scarbourough Fair/Canticle, também da dupla. Filmes com canções pop na trilha principal viriam em série a partir deste, como Midnight Cowboy (Perdidos na Noite, John Schlesinger, 1969) e Easy Rider (Dennis Hopper, 1969).
A canção Mrs. Robinson, que faz alusão à sedutora mulher interpretada por Anne Bancroft, foi feita de encomenda para o filme, a pedido de Nichols. Paul Simon alterou a letra de uma música já pronta que tinha como referência Eleanor Roosevelt. Nascia ali o maior clássico de Simon & Garfunkel, incluída no álbum Bookends, em1968. A trilha rendeu um Grammy a Simon.
Nichols ainda tocaria na ferida do “plástico”, da falsidade e das contradições dos relacionamentos humanos em filmes como Ânsia de Amar (Carnal Knowledge, 1971) — estrelado por Art Garfunkel — e o espetacular Closer – Perto Demais (2004). Mike Nichols propõe reflexão sobre a leveza do ser humano, em sentido nada leve. Um cineasta fundamental sob todos os aspectos. Nos deixou em 2014, aos 83 anos, consagrado.
Quanto à “piada do plástico” em A Primeira Noite…, ela pode ser pouco entendida para os jovens de hoje, que naturalmente podem pensar na referência como sendo uma profecia empresarial, uma sacada de business, relacionado à indústria, algo futurista pra época. Também era. Uma carreira promissora, por óbvio.
Benjamin Braddock vira de cabeça pra baixo a ensolarada periferia burguesa em que vive sua família. Envolve-se com a esposa do sócio de seu pai (a senhora Robinson da música), apaixona-se pela filha deles (Katharine Ross), que gera revolta no homem e o faz levar a mulher e a mocinha embora, resultando em uma busca incessante do jovem recém-graduado pela amada. O final é quase um faroeste, com Ben roubando a noiva de dentro da igreja onde estava prestes a se casar com outro homem.
É um clássico, imune a spoiler. Eles fogem de ônibus, em uma das cenas mais geniais do cinema. Uma beleza de rara plasticidade. E contra o plástico.
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Ouça. Leia. Assista:
A Primeira Noite de um Homem – trailer
One word: plastic! – cena
The Graduate – soundtrack completo
Imagens: reprodução