Tony Wilson teve sua trajetória retratada em filme. Um tributo à cidade onde “a festa nunca termina”
Manchester é uma cidade industrial como tantas do norte da Inglaterra. Durante os anos da década de 1970, vivia a maior crise de sua história. Fábricas fechadas, escombros, desemprego, ultranacionalismo, conflitos de rua. Era como se o pós-guerra ainda não tivesse chegado ao fim. Jovens vagavam pelas ruas à procura do que fazer. E como sói acontecer, encontravam no rock’n roll sua válvula de escape, entre um subemprego e outro.
Em meio ao ambiente explosivo havia a TV Granada, na qual lá por 1976 um sujeito chamado Tony Wilson comandava o So It Goes, programa em que tocava as novidades do mundo da música, entre outras reportagens espalhafatosas protagonizadas por ele próprio. Assim, foram apresentados àquela juventude os Sex Pistols, Siouxie and The Banshees, Iggy Pop, The Clash e The Stranglers.
Wilson e seu fiel escudeiro Allan Erasmus, numa espécie de elogio à loucura versão cockney, juntam-se para empreender uma gravadora que marcaria a história musical inglesa, com alcance muito além das ondas da tevê local. Ambos fundariam o clube Fac 51 Haçienda (apenas The Haçienda para a geral), e a Factory Records.
Arregimentaram grupos que viriam a mudar os rumos do pop rock inglês. Muitos consideram Tony Wilson o pai do pós-punk. Um exagero. Mas certamente ele foi seu mais evidente propulsor. A Certain Ratio, Durutti Collumn, Vini Reily, e muito especialmente o Joy Division — uma aposta individual de Wilson — somariam-se a diversos outros grupos que ferviam a cena daquela Manchester que parecia querer dançar a todo custo.
Em produção de 2002, com direção de Michael Winterbottom e Steve Coogan no papel de Tony Wilson, o filme 24h Party People retratou a história do produtor, das bandas, da famosa casa de shows e as mais diversas encrencas e desvarios cometidos, desde o empreendimento da Factory, em uma espécie de “estatuto” assinado com o sangue do próprio Wilson, a descoberta e formação do Joy Division, passando pelo suicídio de Ian Curtis, a continuação da banda como New Order, os hedonistas implacáveis do Happy Mondays, a aposta na dance music, até a derrocada final.
Tudo começa com o famoso show dos Sex Pistols em Manchester, 1976, em um teatro onde não constavam muito mais do que 40 testemunhas, com abertura dos Buzzcocks (que não tocaram), a banda local. No auditório, um Tony Wilson que faz as vezes de narrador durante toda a película, apresenta alguns expoentes da cena que estariam presentes naquele dia considerado histórico: Mick Hucknall (Simply Red), os membros do que viria a ser o Joy Division depois New Order, os organizadores Harry Devoto e Peter Shelley (Buzzcocks) e o produtor Mantin Hannett, que seria o responsável pela sonoridade de toda aquela geração, entre eles. Martin, excêntrico e genioso, tentaria matar Wilson algum tempo depois, com um tiro de revólver. O empresário sobreviveu ileso.
Com a abertura do Haçienda, em 1982, os problemas de Wilson e seus asseclas aumentaram na mesma proporção em que os grupos que patrocinavam ganhavam o mundo. Tudo culmina na empreitada da música feita pelos DJs, que passam a ser a atração principal, o que involuntariamente acaba por criar a cultura rave. A casa lotava, mas os empresários não conseguiam o lucro desejado, com pouca aptidão para a gerência do local. O clube, mesmo assim, sobreviveu até 1997.
No acerto geral com as bandas, quando a gravadora se dissolve por fim, Tony Wilson fez valer o contrato assinado com sangue, que liberava todos os direitos para os artistas. Não levaram um tostão por tudo, quando uma major adquire os direitos do cast da Factory, reza a lenda. Há controvérsias.
É quase tudo verdade, por incrível. É tudo música, que de fato veio a ditar a atmosfera do pop que veio a ser produzido nas décadas seguintes. É acima de tudo um tributo a uma cidade que só veio a ser mais conhecida anos depois com o êxito de seus dois clubes de futebol, o Manchester United e o Manchester City. Além dos Smiths, Stone Roses, Chemical Brothers e o Oasis, por óbvio, entre muitos outros. O mundo parecia não caber nos pouco mais de 300 mil habitantes daquela terra. O filme ganhou o nome de A Festa Nunca Termina, no Brasil.
Uma curiosidade é que tudo que a Factory produzia era numerado “Fac 01”, “Fac 02”, e assim por diante… — daí a boate se chamar “Fac 51” Haçienda.
Tony Wilson morreu em 2007, aos 57 anos, após complicações com um câncer de rim. O espírito de sua paixão pela música e pela sua cidade permanecem. Como uma festa de 24 horas, sem parar. Seu caixão recebeu o número “Fac 501”.
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Imagens: reprodução
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Ouça. Leia. Assista:
24h Party People (legendado)
Joy Division – Music Documentary Film – 2007
Control – trailer